Como viver sem foco.


Milena vivia desenhando, completamente concentrada e absorvida pelo seu universo de papel e lápis de cor. Quando falavam com ela, nem respondia. Na verdade, nem se dava conta do que acontecia à sua volta. Desde criança rabiscar o papel era seu passatempo preferido e entrou na adolescência sabendo que seria designer de jóias. Mas o comportamento era completamente outro quando se tratava de estudar e seus pais ficavam perdidos, sem saber como ajudar na concentração de alguém que vivia distraída e avoada, ao mesmo tempo que se isolava quando estava desenhando. Sem falar nas reclamações dos professores e das notas sempre baixas em quase todas as matérias. Na verdade eles só entenderam mesmo o que acontecia quando foram buscar ajuda especializada, ao perceber que Milena tinha o perfil de pessoas com TDAH, explicado pelo próprio nome como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Confirmado o diagnóstico, eles também entenderam que não era desculpa todas as vezes que ela repetia: “não tenho foco”. O especialista também explicou que a deficiência químico cerebral do TDAH¹ é compensada pelo hiperfoco e faz com que os portadores do distúrbio se concentrem nos temas de seu interesse, ou em atividades prazerosas, estimulantes e repletas de novidades. Que dupla! O desafio agora era descobrir como ter foco, desenvolvendo as estratégias para facilitar a rotina dos portadores de TDAH que precisam estudar, trabalhar e ter uma vida normal, sem se deixar vencer por todas as distrações. Outro desafio era entender como se beneficiar do hiperfoco, essa incrível capacidade do cérebro de super concentração, característica das mentes inquietas. Para completar todo esse quadro, temos ainda as novas e poderosas fontes de distração do mundo conectado que também afetam a concentração. Segundo Daniel Goleman, autor do best-seller Inteligência Emocional, corremos o risco do empobrecimento da atenção, por estarmos constantemente lutando contra as distrações das telas, seja no tablet, celular, computador ou TV. Enfim, estamos falando mesmo de uma batalha a ser vencida o tempo todo.² Mas, com força de vontade, suporte de terapias e apoio familiar, os portadores de TDAH podem sim vencer as distrações e usufruir dos benefícios do hiperfoco para vencer as dificuldades, sejam elas na convivência social, na escola ou no ambiente profissional.

Como aproveitar o hiperfoco do TDAH.

Para começar você precisa descobrir quais situações contribuem para o seu hiperfoco e com isso criar estratégias próprias. Por exemplo, se você costuma ter dificuldade para começar as tarefas repetitivas, mas depois que começa continua com alguma facilidade. Ao entender como o seu cérebro funciona, você pode diminuir as distrações iniciais, deixar tudo pronto para não precisar interromper e simplesmente começar, sabendo que depois de algum tempo o hiperfoco vai assumir o controle. Treinar a sua flexibilidade cognitiva também é muito importante. Ou seja, a capacidade de entrar e sair desse estado de elevada concentração, mudando para outro tema e depois voltando ao anterior. Isso porque o hiperfoco em excesso pode deixar uma pessoa completamente exausta e isso acaba por aumentar a resistência para iniciar da próxima vez. Esse treino tem bons resultados porque o cérebro é extremamente plástico e passível de ser modificado e aprimorado, tanto em adultos como em crianças. Com as novas tecnologias, mais avançadas e cientificamente comprovadas, esse tipo de treinamento, com base na neuroplasticidade do cérebro está se mostrando cada dia mais eficaz, com resultados duradouros. Para quem vive entre dois comportamentos opostos, distração e hiperfoco, essa possibilidade é um grande alívio e uma boa notícia.³ Outra boa notícia que vem das novas tecnologias é o aplicativo Focus, lançado recentemente para facilitar a vida dos portadores de TDAH. Entre outras funcionalidades, o aplicativo tem um gerenciador de tarefas para organizar a vida do paciente e uma agenda vinculada a um sistema de recompensas.

Especialistas indicam algumas estratégias para manter o foco.

Tudo muda quando você tenta se concentrar em uma tarefa monótona, repetitiva e que não tem um apelo mais atrativo. Isso porque o seu cérebro fica aborrecido facilmente e precisa de novidade, que ajuda a aumentar os níveis de dopamina, normalmente baixos em pessoas com TDAH. Enfim, continuamos falando de uma situação que envolve a química cerebral e que pode ser contornada com estratégias de apoio. Sarah D. Wright, especialista americana e coach em TDAH explica que o transtorno faz com que as pessoas se interessem por muitos temas ao mesmo tempo e assim começam vários projetos que não terminam. Ela tem dicas valiosas para começar o que você termina, sem se distrair pelo caminho:4
  • Trabalhe com um amigo, porque é bem mais fácil e divertido completar tarefas quando você está trabalhando com outra pessoa.
  • Busque um parceiro que possa trabalhar em uma outra tarefa simultaneamente, para inspirar um comportamento que você possa imitar.
  • Determine um limite de tempo para fazer o trabalho. Por exemplo, ajuste um cronômetro por 15 minutos e veja quantos e-mails você pode ler. Isso funciona como um jogo que mostra em quanto tempo você pode realizar cada tarefa.
  • Crie lembretes que mostrem porque é importante cada tarefa que você está fazendo. Ao saber o quanto importa, você pode dar mais atenção até finalizar.
  • Tenha uma linha de chegada. Antes de iniciar um projeto, deixe claro o seu objetivo final.
  • Comece pequeno, porque essa é uma forma bem mais gerenciável de trabalhar, além disso é sempre gratificante quando você realiza algo e isso ajuda a ganhar impulso para a próxima etapa.
  • Saiba quando seguir em frente. Isso significa que eventualmente você pode descartar o que não é essencial para finalizar um projeto, acelerando etapas que permitam avançar.

Estratégias de Estimulação Sensorial.

No livro Fidget to Focus: Outwit Your Boredom, os autores Roland Rotz e Sarah D. Wright compartilham as estratégias que ajudam os portadores de TDAH a manter o foco. Se alguma atividade em que você está se envolvendo não é suficientemente interessante para sustentar o foco, um estímulo sensorial-motor adicional, por ser interessante ou divertido, faz com que o cérebro se envolva completamente e permita manter o foco na atividade primária da qual está participando. Aposto que intuitivamente você já faz isso e nem sabe os efeitos positivos. Por exemplo, ler enquanto anda, ler em voz alta, ou caminhar com alguém com quem você precisa trocar ideias ajuda a se concentrar nas conversas. Também vale ouvir música e até mas-car chicletes. Tarefas diferentes exigirão agitações diferentes, mas é importante escolher as que não competem com o que você precisa executar. Os estímulos sensoriais podem ser de naturezas diversas, conheça quais são:
  • Visuais: usar objetos coloridos, como pastas brilhantes, highligths ou canetas; observar um aquário ou água; olhar pela janela ou para a chama de uma lareira.
  • Sonoros: ouvir música clássica, jazz, ou batimentos rítmicos; assobiar, cantarolar ou cantar; ouvir um relógio ou ruídos de fundo, como o tráfego.
  • Movimentos: exercícios como andar, correr ou andar de bicicleta; girar em uma cadeira; balançar; ficar em pé; mexer os dedos dos pés.
  • Toques: usar brinquedos de agitação, como bolas; brincar com o seu cabelo; tomar notas; rabiscar; tricotar; brincar com papel
  • Sabores: mascar chicletes; tomar café ou água, comer ou lamber sabores diferentes, como alimentos salgados, azedos ou picantes; beber bebidas quentes ou frias.
  • Aromas: Velas perfumadas; incenso; aromaterapia; aroma de alimentos recém-assados.
Finalmente Rotz e Wright enfatizam a importância de se dar permissão para se agitar sem vergonha e encontrar as estratégias que funcionam para você. Afinal, viver sem foco não é fácil para ninguém, mas ainda bem que o hiperfoco pode compensar tudo!

1. ACI-COACHING. Como viver sem foco. Disponível em: <https://acicoaching.com/como-viver--sem-foco/>. Acesso em: 16 Fev. 2018.

2. CLAUDIA-ABRIL. 5 maneiras de ter mais foco e conquistar o sucesso na vida. Disponível em: <https://claudia.abril.com.br/noticias/5-maneiras-de-ter-mais-foco-e-conquistar-o-sucesso-na-vida/>. Acesso em: 16 Fev. 2018.

3. INSTITUTO-PAULISTA-DE-DEFICIT-DE-ATENÇÃO. Hiperfoco e Déficit de Atenção: Como é possível ter concentração demais. Disponível em: <https://dda-deficitdeatencao.com.br/tdah/hiperfoco.html>  Acesso em: 16 Fev. 2018.

4. PSYCH-CENTRAL. Adults & ADHD: 7 Tips for Finishing What You Start. Disponível em: <https://psychcentral.com/blog/adults-adhd-7-tips-for-finishing-what-you-start/>  Acesso em: 16 Fev. 2018.

5. SYCH-CENTRAL. Fidgeting Strategies that Help People with ADHD Focus. Disponível em: <https://psychcentral.com/blog/fidgeting-strategies-that-help-people-with-adhd-focus/> Acesso em: 16 Fev. 2018.

Julho/2020 C-ANPROM/BR//1996