Descobri que tenho TDAH. E agora?


Esta pode ser a verdadeira “hora H” na vida de muitos adultos e jovens. Depois de uma vida inteira de sofrimento e inadequação social, infância tumultuada, conflitos familiares, notas baixas, reuniões na diretoria da escola, infrações de trânsito, faculdades abandonadas, empregos perdidos, relacionamentos rompidos, enfim, a surpresa: descobri que tenho TDAH. É como uma luz de holofote que se acende sobre todas as dificuldades da vida e mostra de onde elas vieram. E agora, o que fazer com essa notícia tão boa quanto difícil, por todas as apreensões que se seguem a um diagnóstico muitas vezes tardio? Para começar, se você tem um diagnóstico, ele só é válido se veio de um especialista, normalmente um psiquiatra que aplica testes e entrevistas individuais e familiares para confirmar as suspeitas. Então esse mesmo profissional de saúde vai indicar os tratamentos mais adequados para cada caso, orientando os pacientes e seus familiares com propostas como a reestruturação do ambiente escolar e familiar e outras recomendações que podem amenizar as dificuldades do cotidiano.¹ Mas até chegar aos resultados, uma longa jornada espera pelos pacientes de TDAH, que passa pela aceitação de ser portador de uma síndrome sem cura, até criar uma nova disciplina de vida que se faz necessária para treinar o cérebro na criação de novos hábitos. E tudo requer o apoio e participação familiar e das pessoas que fazem parte do entorno social do paciente.

Tenho TDAH. É mesmo um alívio?

Sim, de imediato é mesmo um grande alívio a descoberta da síndrome porque a pessoa deixa de se sentir culpada pelos erros de que é acusada durante toda uma vida e passa a entender as razões de seus comportamentos inadequados. Mas, no momento seguinte, o pós-diagnóstico pede um guia de sobrevivência, para passar por este verdadeiro ciclo de dor até a autoaceitação como portador de um transtorno. O que se segue ao diagnóstico é na verdade uma sequência de sentimentos e desafios que atravessam o ciclo de sofrimento com TDAH. Entender esse processo pode facilitar e muito o processo de aceitação e o empenho no tratamento.

  • Negação: costuma seguir o período de alívio que se segue ao diagnóstico. A princípio você pode negar a realidade, aceitar superficialmente, questionar se realmente tem TDAH. Mesmo quando admite, você ainda não se convence de como vai se ajustar ao tratamento. É comum passar por um período de choque.
  • Raiva: então você aceita, mas olha para o passado e percebe o quanto o TDAH afetou profundamente tantas fases e áreas importantes da sua vida. E sente imensa raiva das oportunidades perdidas. A raiva pode incluir os familiares, professores e outras pessoas que não ajudaram na hora certa. Mas você precisa seguir em frente e atravessar esse ciclo natural de dor.
  • Barganha: o momento em que você entende, até fica animado porque existem medicamentos e acredita que basta isso para tudo dar certo. Mas logo descobre que o tratamento é multidisciplinar e então vem a decepção e o desânimo.
  • Depressão: a descoberta não tira você de imediato do mundo da lua, você está acostumado a viver ali e tudo soa tão familiar. É a sua zona de conforto. Ao mesmo tempo você pensa nas outra pessoas com TDAH, sabe o caminho que tem pela frente e se assusta com ele. Pode faltar um apoio mais sólido e então você começa a se sentir isolado e solitário. Pronto, está aberto o caminho da depressão.
  • Aceitação: só chega com o tempo e o tipo certo de apoio, aconselhamento e educação. Mas alguns atravessam todo o ciclo de sofrimento sem alcançar a aceitação. Ou até aceitam e começam a seguir todo o ciclo novamente. Faz parte da dor. Mas a verdadeira aceitação só acontece no momento em que você integra de uma forma profunda a ideia de ser portador de TDAH. Nesse momento você para de pensar na síndrome como falta de força de vontade ou falha moral e passa a entender que você pode gerenciar os sintomas de TDAH, embora seus problemas ainda persistam.

Na verdade a aceitação é bem mais difícil de conseguir do que parece, mas é preciso entender todo o ciclo e como ele acontece para superar cada fase com a determinação de buscar uma vida plena, que só acontece a partir da verdadeira autoaceitação.² 

A conclusão dessa jornada requer força de vontade para descobrir o melhor de si. Alinhado a esse processo de aceitação está o objetivo de querer ser melhor e comprometer-se consigo mesmo. Se conhecer melhor continuamente, atuar de forma pró-ativa e resiliente é o dever dos diversos atores responsáveis pelo manejo do TDAH. Especialmente o próprio indivíduo diagnosticado.

TDAH tem cura? Ou apenas tratamento?

É importante saber que o TDAH não é uma doença e portanto não tem cura, mas pode ser controlado. O TDAH é uma síndrome, ou seja, um conjunto de sintomas, com múltiplas causas que incluem fatores neurobiológicos, pessoais e ambientais.³ Mas na verdade o que mais angustia os portadores no momento da descoberta é saber como tratar e por quanto tempo, além da angustia imediata de saber que tem um déficit irreversível, que acompanha a pessoa por toda a vida. Apesar disso, a descoberta do TDAH tem a vantagem de mostrar a causa de tantas atitudes de impulsividade e distração e o alívio de saber que o transtorno pode ser tratada, com resultados muito positivos a longo prazo, permitindo grandes avanços no comportamento e convivência. O tratamento adequado do TDAH impacta positivamente diversos aspectos como: relacionamentos, autoestima, performance acadêmica e profissional, acidentes de trânsito, entre outros.

O primeiro passo é compreender a relação entre TDAH e cérebro e a ação dos neurotransmissores, Dopamina e Noradrenalina e o córtex pré-frontal, responsável pelas chamadas funções executivas, como planejamento, tomada de decisão, controle inibitório, atenção e memória de trabalho. O córtex pré-frontal tem uma grande implicação no comportamento social e os prejuízos nas funções relacionadas a essa área do cérebro resultam em maior impulsividade, agressividade e inadequação social.³

Já comprovada cientificamente,essa constatação sobre cérebro e TDAH coloca em cena o conceito de neuroplasticidade e os fatores de risco e de proteção:

  • A neuroplasticidade significa que o cérebro vai se construindo e reconstruindo constantemente, durante toda a vida. Ele se transforma em função das experiências, das aprendizagens e de como é utilizado, e esse fatores influenciam toda a concepção integrativa do tratamento do TDAH.
  • Os fatores de risco são o componente biológico e hereditário do TDAH, que interferem no aparecimento ou piora dos sintomas.
  • Simultaneamente entram em cena os fatores de proteção: pessoais, situacionais e ambientais. Por exemplo, a criança com forte hereditariedade para TDAH, porém dotada de inteligência superior e que viva numa família super-estruturada, encontrará fatores de proteção para compensar os sintomas do TDAH e seus prejuízos serão menores⁵.

O Tratamento é multimodal e você precisa dele.

Quando você olha para traz e recorda toda uma vida de confusões, dificuldades que pareciam intransponíveis e conflitos diversos, esse filme pode parecer uma recordação terrível. Mas felizmente agora você sabe de onde vem o enredo, começa a entender que os dias melhores virão e se anima para seguir em frente. Nesse momento a chave que pode mudar tudo é a busca por orientação e tratamento adequados.

Importa saber que a diminuição de alguns neurotransmissores, como a Dopamina e Noradrenalina pode estar relacionada não apenas ao TDAH como a outros transtornos mentais e que é exatamente nesse aspecto que algumas medicações atuam melhorando os sintomas.⁶

Os especialistas afirmam que não existe um tratamento ideal, mas existe uma combinação de formas de tratamento que conduz ao melhor resultado. O tratamento único pode alcançar um resultado parcial, porém a soma de muitos tratamentos resulta em benefícios adicionais tanto para o indivíduo como para toda a família. Para chegar a essa verdadeira fórmula ideal, é preciso conhecer as características do paciente e do ambiente e tentar melhorar cada um desses aspectos. Portanto não adianta seguir o tratamento do seu amigo, ou até mesmo de outra pessoa da mesma família. O que seria comum considerando a influência da hereditariedade na síndrome do TDAH. Mas até mesmo aquilo que serve para um irmão pode não ser adequado para o outro.

Você precisa buscar ajuda e orientação profissional para alcançar o melhor resultado para o seu caso particular. Somente um especialista pode avaliar a intensidade dos sintomas de TDAH, seu contexto familiar e social e ainda observar se existem outros transtornos psiquiátricos associados, conhecidos como comorbidades (depressão, ansiedade, transtorno bipolar, entre outros). O que costuma ocorrer com certa frequência.

O maior objetivo do tratamento multimodal é reduzir os sintomas enquanto reduz as complicações decorrentes do transtorno e seu impacto negativo na vida dos pacientes. Esse tratamento concentra-se em três pontos: farmacológico, cognitivo-comportamental e psicoeducativo, envolvendo pais e professores.⁷

No Brasil a terapia cognitivo-comportamental é atribuição exclusiva de psicólogos. Mas o tratamento do TDAH, por ser multidisciplinar, pode envolver profissionais de diferentes especialidades, que propiciam uma combinação de métodos necessária para alcançar os melhores resultados na redução dos sintomas de déficit de atenção, hiperatividade e impulsividade, ao mesmo tempo que influencia positivamente as funções executivas, como a habilidade de começar tarefas, organizar-se e planejar o dia e os compromissos.⁷

Enfim, do diagnóstico ao tratamento, o portador de TDAH pode atravessar uma verdadeira jornada, que vai da negação à autoaceitação e passa por diferentes consultas para avaliar o quadro e definir os melhores tratamentos multidisciplinares e individualizados.

Mas o que realmente importa é saber que finalmente você acaba de descobrir que pode ter uma vida mais equilibrada, com terapias que serão mais efetivas a partir do apoio que receber dos profissionais de saúde envolvidos e do seu ambiente familiar e social. E o que parece um diagnóstico assustador se torna na verdade uma porta aberta para novas possibilidades de realização pessoal e profissional.

 

1. PERES, Mario. Tratamento do TDAH no adulto. Disponível em: <https://tdahnoadulto.com/>. Acesso em: 06 Ago. 2017.

2. ADDITUDE. Your After-Diagnosis Survival Guide. Disponível em: <https://www.additudemag.com/adhd-in-adults-acceptance-late-diagnosis/>. Acesso em: 06 Ago. 2017.

3. WIKIPEDIA. Cortex Pré-frontal. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3rtex_pr%C3%A9-frontal>. Acesso em 02 Out. 2017

4. JORNAL-CIÊNCIA. Transtorno de déficit de atenção está relacionado a atraso no desenvolvimento do cérebro. Disponível em: <http://www.jornalciencia.com/transtorno-de-deficit-de-atencao-esta-relacionado-a-atraso-no-desenvolvimento-do-cerebro/>. Acesso em: 07 Ago. 2017

5. INSTITUTO-PAULISTA-DE-DÉFICIT-DE-ATENÇÃO. TDAH e você - Unidos para sempre?. Disponível em: < https://dda-deficitdeatencao.com.br/artigos/tdah-tem-cura.html>. Acesso em: 06 Ago. 2017.

6. YOUTUBE. O Tratamento do TDAH.. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=xi-X3WpIUfH4>. Acesso em: 02 Out. 2017

7. TDAH-Y-TU. Tratamiento multimodal. Disponível em: <http://www.tdahytu.es/tratamiento-multimodal/>. Acesso em: 07 Ago. 2017

Julho/2020 C-ANPROM/BR//1996