TDAH e o Hábito de Procrastinar: Entenda a tendência de deixar tudo para depois


Manuela entrou e saiu da faculdade arrastando várias matérias para os anos seguintes. Quando finalmente se formou em direito, seu primeiro emprego exigia prazos rígidos e ela estava sempre em cima da hora para resolver tudo. Em casa era outra luta constante entre o “não deixar para amanhã o que se pode fazer hoje” e o famoso “depois eu faço”. Assim como outros portadores de TDAH ela tem o hábito de procrastinar enquanto o tempo corre e os compromissos se atropelam.

Embora a procrastinação não seja um comportamento exclusivo do TDAH, porque todo mundo alguma vez já deixou alguma tarefa importante para depois, esse é um problema que atinge os portadores do distúrbio com maior intensidade. Essa verdadeira autossabotagem patológica destrói um dos recursos mais valiosos que temos, o tempo.

Para o  professor da Universidade DePaul, em Chicago, nos EUA, Joseph Ferrari, considerado uma das maiores autoridades no assunto, “procrastinação é uma tendência para atrasar o início ou a conclusão de uma tarefa desejada a ponto de sentir desconforto. Isso leva a formas disfuncionais de ser e à uma qualidade de vida reduzida. Procrastinação não é o mesmo que esperar, adiar ou atrasar”.1

O especialista também afirma que “a procrastinação é o atraso intencional e frequente no início ou no término de uma tarefa que causa desconforto subjetivo, como ansiedade ou arrependimento”. Ou seja, ela tem consequências emocionais para os procrastinadores habituais. Além das mais práticas e objetivas, como pagar contas com multas, perder prazos em projetos, repetir as matérias da escola e tantas outras que impactam a vida cotidiana com maior ou menor intensidade.

Algumas pessoas e especialmente os portadores de TDAH adotam a procrastinação como um meio de vida, adiando tarefas em casa, no trabalho, na escola e, inclusive, nos relacionamentos. Embora pareça que eles procrastinam por má gestão do tempo, preguiça, stress ou desorganização, a procrastinação acontece por uma fragilidade na auto-regulação das emoções e do humor, um problema comum no TDAH.

Essa noção básica de procrastinação como uma falha de auto-regulação é bastante clara e comprovada em pesquisa sobre o tema coordenado por Tim Pychyl, Ph.D., professor associado de psicologia da Universidade Carleton e chefe do The Procrastination Research Group. Ele afirma que “Você sabe o que deve fazer e não é capaz de fazê-lo. É essa lacuna entre intenção e ação”.2

A auto-regulação - de emoções, humor e tempo - é uma batalha que representa uma luta diária para as pessoas com TDAH. O espaço aberto que fica entre a tarefa e o tempo para concluir pode ser especialmente mais amplo e difícil de fechar para as portadores de TDAH do que para os neurotípicos. Pessoas com TDAH são especialistas em evitar tarefas enquanto se distraem com todo tipo de atividade dispersiva, como se entreter nas mídias sociais,  comer, beber, brincar com o cachorro ou apenas divagar em suas ideias.

Enquanto isso, a procrastinação das tarefas que permanecem inacabadas pode levar indivíduos com TDAH a sentir dor física e mental. Planejar, priorizar, motivar, organizar e tomar decisões pode fazer com que uma pessoa com TDAH fique sobrecarregada e desligada. O Dr. Pychyl afirma que “a procrastinação não é uma falha de caráter única ou uma maldição misteriosa em sua capacidade de gerenciar o tempo, mas uma maneira de lidar com suas emoções desafiadoras e humores negativos induzidos por determinadas tarefas”.

A procrastinação também agrava as emoções negativas que são quase uma constante para os portadores do TDAH. Pais, professores e amigos estão sempre observando as atitudes com um olhar crítico e opiniões negativas, afirmando que não são bons o suficiente, que não se esforçam ou são incapazes de concluir tarefas. Com essa carga adicional, os portadores precisam de muito autocontrole para iniciar e sustentar o esforço de conclusão das tarefas e organização da vida. Regular, comandar e controlar os pensamentos e emoções é um dos aspectos mais desafiadores do TDAH.

Os seis tipos de atrasos que caracterizam a procrastinação

É importante considerar todos os motivos pelos quais as pessoas adiam tarefas necessárias, mesmo as não agradáveis, e atribuir rótulos a esses atrasos. Até porque nem sempre a procrastinação está vinculada ao TDAH. Mohsen Haghbin, pesquisador de Carleton, desenvolveu uma tipologia de atrasos com base em pesquisas:3

  • Atrasos inevitáveis, que surgem quando a agenda de alguém é sobrecarregada ou interrompida por outra obrigação ou necessidade;
  • Atrasos na excitação, que ocorrem quando uma pessoa decide que estaria mais motivada a fazer algo no último minuto;
  • Atrasos hedonísticos, que acontecem quando uma pessoa escolhe fazer outra coisa que não a tarefa em questão por causa do fator de gratificação instantânea;
  • Atrasos devido a problemas psicológicos, como tristeza ou outro humor ou condição de saúde mental, crônica ou aguda;
  • Atrasos propositais, geralmente necessários quando uma pessoa precisa, digamos, pensar em um problema ou trabalho criativo antes de começar a escrever ou produzir algo;
  • Atrasos irracionais, inexplicáveis para o procrastinador e frequentemente alimentados pelo medo de fracassos e ansiedade;

Na prática, essas categorias não são mutuamente exclusivas. Um atraso irracional, por exemplo, também pode ser mesclado com o atraso de impulsos hedonistas.

O que o TDAH pode fazer para vencer o hábito de procrastinar

Se considerarmos que a procrastinação do TDAH é essencialmente uma mentalidade, algumas técnicas de comportamento cognitivo podem ajudar na mudança de hábito que ajudam no gerenciamento do tempo:4

  • Faça algo divertido primeiro. Muitas pessoas com TDAH acham útil fazer primeiro algo que amam, como um estímulo inicial para realizar tarefas menos agradáveis;
  • Crie o ambiente de trabalho certo. Portadores de TDAH geralmente são mais produtivos em ambientes não convencionais ou quando trabalham ouvindo música;
  • Não se supere. Evite conversas negativas e envie mensagens positivas e realistas. As mensagens que você envia a si mesmo ao concluir uma tarefa podem ser poderosos impedimentos para a procrastinação futura;
  • Apenas faça. O simples início de uma tarefa facilita a sequência e da próxima vez que você quiser evitar algo, dê um primeiro passo mesmo que imperfeito;
  • Dê um passo de cada vez. Divida grandes tarefas em pedaços, as etapas menores não são tão intimidadoras e facilitam a introdução. Se um projeto não puder ser concluído em partes por vários dias, mantenha seu ritmo concentrando-se apenas na próxima etapa possível. Antes que você perceba, estará pronto!;

Sim, você pode vencer a procrastinação e todas as suas consequências negativas, mesmo sabendo que ela é uma característica muito forte dos portadores de TDAH. O que você não pode fazer é se acomodar nessa condição limitadora utilizando o distúrbio como desculpa para adiar projetos, tarefas e responsabilidades. Se não conseguir sozinho, busque ajuda com profissionais de saúde que possam orientar tratamentos e técnicas de suporte que ajudam a vencer essa e outras dificuldades.   

Abril 2020 / C-ANPROM/BR//1802