Como o TDAH em meninas e mulheres repercute em suas vidas


Lívia passou quase toda a infância brincando quieta em seu cantinho. Poucas amigas, muita dificuldade com algumas matérias da escola e especialmente em se socializar com os colegas. Gostava de desenhar e ler e como estava sempre quieta ninguém notou o quanto era também dispersiva e distraída com quase tudo. Adolescente, as fases do ciclo menstrual revelavam um sofrimento intenso e comportamentos impulsivos, o que foi creditado aos hormônios. Com isso os sintomas não causaram maiores preocupações e ninguém suspeitou de TDAH, apesar de haver outros casos na família.

Como a hiperatividade é o que mais incomoda os professores e a família, e essa característica do TDAH nem sempre se manifesta nas meninas, Lívia seguiu para a fase adulta sem diagnóstico e tratamento. Até que o casamento trouxe algumas surpresas. Agora responsável pela casa, com vida profissional intensa, literalmente os pratos começaram a cair, um após o outro. Ela perdia chaves, esquecia de pagar as contas, guardava coisas em lugares inusitados, sem lembrar depois onde estavam. A vida se tornou uma bagunça generalizada, os atritos surgiram, ela vivia exausta e o casal foi buscar uma terapia.

Veio então a grande surpresa, o diagnóstico de TDAH. Mulheres têm TDAH? Têm sim, mas podem passar a vida sem tratamento. Algumas razões podem até parecer cruéis. Como os sintomas de TDAH nas meninas são menos evidentes, historicamente os estudos científicos sempre abordaram os meninos, porque neles a hiperatividade se manifesta mais claramente.¹

Como resultado do diagnóstico tardio, muitas meninas e mulheres com TDAH têm uma vida toda de sofrimentos que poderiam ser evitados. Em um estudo publicado no Journal of Attention Disorders, as psicólogas canadenses Julia Rucklidge e Bonnie Kaplan, PhD, relataram que:²

“As mulheres com TDAH eram mais propensas a ter um estilo de ‘desamparo aprendido’ de responder à situações negativas do que as mulheres sem o distúrbio, e tendiam a se culpar quando coisas ruins aconteciam.

As mulheres com TDAH provavelmente acreditavam que não podiam controlar os resultados dos eventos da vida, resultando em um ciclo vicioso. É menos provável que uma mulher com TDAH faça esforços para concluir tarefas desafiadoras devido à crença de que não tem poder para alterar o resultado negativo. Ao desistir, ela reforça ainda mais a crença de que é incapaz de realizar as coisas na vida.

Mulheres com TDAH também foram mais propensas a relatar um histórico de depressão e ansiedade. Elas também estavam em tratamento psicológico com mais frequência e haviam recebido mais prescrições de medicamentos psicotrópicos do que mulheres sem TDAH.”

Alterações hormonais afetam o TDAH

Meninas com TDAH sofrem com os efeitos dos “hormônios em fúria” que podem induzir à rebelião e ao comportamento de risco em adolescentes. Stephen Hinshaw, Ph.D., professor e presidente do departamento de psicologia da Universidade da Califórnia/Berkeley, que estuda meninas com TDAH, esclarece o impacto das alterações hormonais:³

“Descobrimos que as meninas com TDAH no início da adolescência têm mais problemas acadêmicos, comportamento mais agressivo, sinais anteriores de problemas relacionados a substâncias e taxas mais altas de depressão do que as meninas que não têm essa condição. Ao contrário dos adolescentes com TDAH, que tendem a agir, as meninas com TDAH costumam internalizar seus problemas. Isso facilita o esquecimento de suas lutas.”

Algumas estratégias comportamentais para gerenciamento de tempo e melhoria das habilidades organizacionais podem ajudar as meninas nessa fase. A diretora do Chesapeake ADHD Center de Maryland, Kathleen Nadeau, Ph.D., recomenda: ³

  • Identifique os pontos fortes de sua filha e enfatize-os durante os piores momentos do seu ciclo. Muitas vezes, professores e outros adultos na vida de uma garota se concentram apenas em suas fraquezas.
  • Se você perceber que os sintomas de sua filha pioram em determinadas épocas do mês, incentive-a a concluir os trabalhos escolares antes de chegarem. Faça com que ela se prepare para um grande teste ou termine de escrever um artigo uma semana antes do prazo.
  • Seja paciente com sua filha se ela se tornar argumentativa ou agressiva. Em vez de gritar, sugira que ela descanse um pouco. Você estará ensinando suas habilidades de autogestão.

É importante buscar o diagnóstico de meninas com TDAH

As pesquisas indicam que para um diagnóstico mais preciso dos sintomas de TDAH em mulheres e meninas, os médicos devem considerar flutuações hormonais, trauma, dinâmica familiar, autoestima e hábitos alimentares. Também é essencial incentivar o feedback no tratamento de mulheres jovens com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.

Aparentemente médicos e familiares se tornaram mais conscientes sobre o TDAH em meninas e mulheres, considerando que suas tendências para mascarar as características desatentas e internalizar seus sentimentos tornam os sintomas mais difíceis de reconhecer. Como resultado, elas são frequentemente diagnosticadas bem mais tarde, quando as comorbidades começam a interferir nos comportamentos saudáveis e muitas vezes quando as habilidades doentias de enfrentamento começam a minar seu senso de si4. Algo que pode, e deve, ser evitado com um diagnóstico ainda na infância, preparando-as para as outras fases da vida.

Quando encaminhadas para um profissional de saúde, meninas e mulheres tentam corresponder ao que se espera delas e acabam mascarando os sintomas, com relatos disfarçados. Eles também ocorrem porque a consulta com o especialista é estressante e intimidadora e elas tendem a se censurar em situações nas quais se sentem inseguras.

A maioria das meninas com TDAH avalia sua autoestima com suas dificuldades de funcionamento executivo e começa o tratamento em uma posição de vergonha. Elas também podem se sentir desajeitadas por estar no centro das atenções, ou ter dificuldades para admitir que precisam da ajuda de um estranho. Elas ainda evitam articular seus sentimentos e podem responder às perguntas dizendo “tudo bem”, quando na verdade não está.

Sempre é importante ressaltar esse fato, porque em uma entrevista clínica as meninas com TDAH oferecem o que pensam ser esperado delas, escondem suas verdades e guardam seus segredos. Mas um bom profissional conhece as melhores estratégias para contornar o medo, o estigma e a resistência visando obter um feedback mais honesto dessas meninas com TDAH.

Tratamento é multidisciplinar e requer uma rede interativa de apoio

O tratamento de TDAH para meninas requer uma rede interativa de apoio, contando com a orientação de um profissional de saúde especializado. Isso inclui professores, treinadores e os adultos do meio familiar em um conceito acolhedor, com diferentes abordagens de gerenciamento do TDAH:

  • Educação sobre o TDAH em meninas para todos os membros da família;
  • Psicoterapia individual e/ou familiar;
  • Simplificação das rotinas domésticas, criando sistemas previsíveis;
  • Aprender habilidades de gerenciamento projetadas para pessoas com TDAH;
  • Coaching;
  • Esportes e exercícios;
  • Grupo de apoio para meninas;
  • Treinamento de habilidades em terapia comportamental dialética;
  • Neurofeedback;
  • Medicação;

Enfim, se você é mulher, ou tem em casa uma menina, criança ou adolescente, observe o seu comportamento e se tudo estiver indicando um caso de TDAH, busque a orientação médica para um diagnóstico precoce. Como em todos os casos, quanto mais cedo acontecer o apoio e tratamento, melhor será para sua vida presente e futura.

Outubro 2019 / C-ANPROM/BR//1602