TDAH ou Autismo: Como Diferenciar os Sintomas de Cada Um


Lucas tinha apenas 9 anos quando os pais decidiram mudá-lo de escola. Ele não conseguia acompanhar as aulas, as notas eram muito ruins e fazer as lições era um drama diário. Para completar, os pais não encontravam nenhum apoio da equipe pedagógica para os evidentes sintomas do TDAH - Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. A surpresa aconteceu na primeira reunião na nova escola, quando a professora de ciências declarou sem nenhuma dúvida: seu filho é autista, ele vive distraído, não sabe nada sobre a matéria e não interage na aula.

Na verdade quem não sabia nada sobre autismo era a professora e o que salvou os pais de um susto maior foi o fato de já terem buscado orientação médica. Lucas tinha recebido um diagnóstico de TDAH e era apenas com esse transtorno que todos tinham que lidar. Mas a confusão é comum e pode acontecer tanto por desconhecimento das famílias, como dos professores sobre as diferenças entre autismo e TDAH.

Tanto um, quanto o outro, possuem semelhanças e diferenças e ambos apresentam diferentes comorbidades, o que em muitos casos podem confundir quem convive com os portadores. Mas os profissionais de saúde já dispõem de muitos estudos e pesquisas que permitem diagnosticar com segurança o TEA – Transtorno do Espectro Autista e o TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Pode existir uma sobreposição entre autismo e TDAH mas todos os casos precisam de uma avaliação profissional para orientar os tratamentos.

Para entender melhor quais as diferenças entre autismo e TDAH  é importante definir o que caracteriza cada um dos transtornos:1

  • TDAH é um distúrbio comportamental, um padrão de comportamento agitado, desatento e impulsivo, em que a criança não consegue ficar parada, nem prestar atenção por um período de longo tempo, podendo por sua vez amenizar com o decorrer dos anos.
  • TEA por sua vez é uma condição perdurável, a criança nasce com autismo e torna-se um adulto com autismo, é um transtorno de desenvolvimento que geralmente aparece nos três primeiros anos de vida e compromete as habilidades de comunicação e interação social.

As diferenças2 por vezes parecem sutis entre os dois transtornos e como alguns portadores apresentam comorbidade entre Autismo e TDAH por vezes pode parecer que eles andam juntos. Entender as particularidades de cada condição é essencial para estabelecer o diagnóstico e indicar o tratamento adequado. O fato de que muitas crianças autistas possuem sintomas de outras condições psiquiátricas também contribui para uma certa confusão entre os dois casos.

Desde a primeira infância os portadores desses transtornos apresentam sinais visíveis de comprometimento no desenvolvimento neurológico. Ambos se manifestam com desatenção, disfunção social e comportamento de difícil manejo e embora alguns comportamentos pareçam semelhantes eles possuem origens e manifestações diversas.

O autista apresenta dificuldade de interagir com outros por ter uma forma diferente de entender o mundo, enquanto os portadores de TDAH vivem com a cabeça nas nuvens, o que também prejudica as suas relações sociais.

A melhor maneira de diferenciar as duas condições é observar as principais características do TDAH: desatenção e hiperatividade. Portadores de TDAH apresentam dificuldade de manter a atenção, inclusive em aulas e conversas, por causa da falta de foco, enquanto para os autistas o obstáculo está em não saber como interagir.

Enquanto algumas diferenças são facilmente perceptíveis, a hiperatividade do TDAH é similar à inquietação dos autistas. Os sintomas de hiperatividade e impulsividade característicos do TDAH se revelam frequentemente com a dificuldade de se manter parado e as pessoas costumam se remexer ou batucar com os pés e as mãos. São esses comportamentos que podem ser confundidos com a inquietação das crianças com TEA, principalmente quando sua rotina é quebrada ou quando estímulos externos afetam os seus sentidos.

Pesquisas avaliam a sobreposição de sintomas entre TEA e TDAH

Um estudo australiano publicado no Journal of Attention Disorders aponta que alguns sintomas do TEA estão associados a problemas de funcionamento e qualidade de vida quando presentes em crianças que também apresentam TDAH. De acordo com esse estudo crianças com TDAH que apresentam sintomas de autismo, como comportamentos repetitivos e déficits de interação social, correm maior risco de problemas de conduta, com os colegas e a qualidade de vida.

O estudo australiano3 examinou quais domínios dos sintomas do autismo - comunicação, interação social e comportamento repetitivo - afetam áreas como saúde mental, problemas de pares e a qualidade de vida em crianças que também têm TDAH. Embora o autismo e o TDAH tenham sido amplamente estudados juntos, os pesquisadores observaram que existe pouca informação disponível sobre como os sintomas específicos do autismo influenciam o funcionamento nessas áreas problemáticas para crianças com TDAH.

Os cientistas descobriram que os sintomas de autismo mais prejudiciais entre essas crianças eram déficits de reciprocidade social e comportamentos repetitivos. Os déficits de interação social foram associados a taxas mais altas de problemas entre pares, enquanto comportamentos repetitivos pareciam ligados a maiores problemas emocionais, de conduta e de qualidade de vida. Os déficits de comunicação não foram associados a nenhum dos resultados observados no estudo.

Considerando as muitas áreas impactadas pelo comportamento repetitivo, o estudo afirma que mais pesquisas são necessárias sobre intervenções que visam especificamente o domínio dos sintomas do autismo em crianças com TDAH.

Como diagnosticar TDAH e o autismo

É importante ressaltar que apenas um profissional da saúde pode oferecer um diagnóstico seguro do TDAH ou TEA. Mais importante ainda é saber diferenciar os sintomas de um e de outro, ou mesmo constatar que o paciente apresenta a comorbidade dos dois transtornos, o que também pode acontecer. Apenas um profissional familiarizado com as duas condições pode oferecer um diagnóstico seguro e completo, o que requer muito mais do que simples testes.4

Mark Bertin, MD, pediatra comportamental do desenvolvimento e autor de The Family ADHD Solution afirma que “avaliar o TDAH e o autismo continua sendo uma habilidade clínica baseada em conhecer uma criança e buscar uma imagem abrangente de sua vida no mundo real, um senso global das habilidades sociais e de conversação de uma criança, bem como suas habilidades de brincar e viver diariamente”.

Enfim, a observação dos comportamentos da criança muitas vezes pode indicar sintomas de um ou de outro transtorno, algumas vezes sobrepostos. Mas essa avaliação só pode ser feita por um profissional competente que saiba diferenciar TDAH e TEA, oferecendo as opções de tratamento mais adequadas para cada caso.

    Março de 2020 / C-ANPROM/BR//1748